A obesidade é uma doença crônica, grave e progressiva. Pacientes obesos têm maior risco de desenvolver doenças cardiovasculares, diabetes e diversos tipos de câncer, que, segundo o Ministério da Saúde, são algumas das principais causas de morte no Brasil. Tratar a obesidade significa melhorar a qualidade de vida, e, mais do que isso, reduzir a mortalidade da população.
A obesidade resulta da interação de diversos elementos, como a predisposição genética, hábitos de vida e fatores do ambiente. Esse processo, que se inicia ainda na vida intrauterina, determina como cada pessoa utiliza e armazena a energia.
Independente de sua causa, o tratamento da obesidade é baseado em controle alimentar associado à atividade física, visando redução do consumo e aumento do gasto calórico. Apesar de parecer tão simples, sabemos que essas medidas, isoladamente, são eficazes em apenas 30% a 40% dos pacientes, pois mudar hábitos e mantê-los por muito tempo, apesar de sentir fome, é uma tarefa muito difícil.
Muitos pacientes poderiam se beneficiar de medicamentos que atuam nos mecanismos de controle do apetite e da saciedade, proporcionando resultados mais expressivos e duradouros do que as mudanças comportamentais são capazes de produzir isoladamente.
Em 2011, por determinação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), três dos quatro medicamentos antiobesidade antes disponíveis no Brasil foram retirados do mercado, na tentativa de conter abusos. Entretanto, medicamentos de ação central como fentermina, femproporex, anfepramona e mazindol continuam sendo permitidos em muitos países.
O uso dos inibidores do apetite tem seu uso consagrado há décadas no tratamento da obesidade. Muitos estudos mostram que são eficazes e seguros, desde que usados de forma controlada e em doses adequadas.
Os possíveis efeitos colaterais dos inibidores do apetite não são mais graves do que os de diversos medicamentos comercializados livremente. Um exemplo claro é o aumento no risco de infarto do miocárdio em usuários de anti-inflamatórios, e nem por isso eles foram retirados do mercado. Isso mostra que não existe droga isenta de riscos. Toda prescrição exige conhecimento e respeito às indicações terapêuticas.
Um dos argumentos utilizados pela Anvisa para proibir o uso de anorexígenos é de que muitos pacientes recuperam peso após sua interrupção, mas isso só prova que eles funcionam. Quando tomamos remédios para controlar o diabetes ou os níveis de colesterol, sabemos que eles só serão eficazes durante seu uso, certo? Com o tratamento da obesidade não é diferente. Os inibidores do apetite não levam à cura da obesidade, mas auxiliam no seu controle.
Embora o tratamento da obesidade nem sempre consiga trazer o paciente ao peso considerado ideal, uma perda de 5% a 10% do peso corporal já é suficiente para trazer inúmeros benefícios à saúde.
Hoje, no Brasil, a única medicação de ação central disponível para o tratamento da obesidade é a sibutramina, cuja prescrição e comercialização estão sujeitos a um rígido controle. Precisamos de mais opções terapêuticas para que o paciente volte a ter seu direito ao tratamento garantido. Se por um lado os inibidores de apetite não são perfeitos, ainda assim são nossas melhores opções quando se fala em tratamento farmacológico da obesidade.
A ABESO (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade) se manifestou contrária à proibição da venda dos medicamentos Anfepramona, Femproporex e Mazindol. Recentemente, o Senado suspendeu a resolução de 2011 da Anvisa, por meio da aprovação do decreto legislativo 273/2014. Mesmo assim a Anvisa exigiu que se inicie um novo processo regulatório com inclusão de novos estudos comprovando a utilidade dos inibidores de apetite, o que inviabiliza a volta destes medicamentos hoje ao mercado, visto que um longo tempo e grandes investimentos seriam necessários para sua execução.
Sabemos que metade da população adulta do Brasil está acima do peso, obrigando-se a enfrentar a falta de opções de tratamentos éticos para a sua doença. Pacientes que tinham bons resultados com anorexígenos estão ganhando peso, e com isso muitos recorrem a remédios contrabandeados, tratamentos alternativos, uso de suplementos, shakes e outras substâncias que se dizem milagrosas, mas que podem esconder vários perigos. Sua análise detalhada pode demonstrar a presença de efedrina, hormônios tireoideanos, laxantes, diuréticos e até mesmos de altas doses de anorexígenos, aumentando o risco de problemas cardiovasculares, hepáticos e renais, além de disfunções tireoideanas, entre outros. Pacientes com melhor poder aquisitivo muitas vezes optam por tratamentos off label, ou seja, que não estão aprovados diretamente para o tratamento da obesidade, ou ainda a procedimentos estéticos que só agem na gordura subcutânea, sem trazer qualquer benefício à saúde.
Devemos nos conscientizar de que a obesidade é uma doença séria, com graves consequências, e portanto merece ser tratada com responsabilidade. A maior preocupação dos profissionais envolvidos no seu tratamento é que uma enorme quantidade de pacientes está praticamente sem opções de tratamento farmacológico, enquanto os índices de obesidade continuam a crescer. Ainda cabe lembrar que o único tratamento disponibilizado pelo SUS para o tratamento desta patologia é a cirurgia bariátrica.
E você, o que acha? Devemos oferecer um tratamento “possível” a esses pacientes, ou esperá-los chegar às últimas consequências da doença para oferecer um tratamento agressivo com resultados muitas vezes paliativos? Pense nisso.
Dra. Daniele Zaninelli, endocrinologista do Hospital VITA Curitiba