A importância da vitamina D para a saúde óssea já é bem estabelecida, e a correção da deficiência deste componente nos distúrbios osteometabólicos encontra grande respaldo científico. Por outro lado, ainda faltam evidências quando se fala nos efeitos extraesqueléticos da suplementação de vitamina D.
Abaixo estão listados alguns dos motivos pelos quais a suplementação tem sido vista como uma estratégia potencial para prevenir o câncer e as doenças cardiovasculares nos últimos anos:
- Entre os pacientes com câncer, níveis mais elevados de 25-hidroxivitamina D no diagnóstico ou tratamento têm sido associados a uma sobrevida mais longa.
- Estudos observacionais mostraram associações entre baixos níveis séricos de 25 hidroxivitamina D [25(OH)D] e aumento do risco de câncer e doenças cardiovasculares.
- Metanálises com estudos de intervenção sugerem que a correção da deficiência poderia reduzir a mortalidade geral, e que a suplementação poderia ter um papel protetor contra o câncer, especialmente de intestino grosso.
- Estudos ecológicos mostraram taxas mais baixas de morte por câncer e doenças cardiovasculares em regiões com maior exposição solar do que em áreas com menor exposição.
- Dados de estudos de laboratório e testes em animais sugerem mecanismos pelos quais a vitamina D poderia inibir a carcinogênese e retardar a progressão tumoral, incluindo promoção da diferenciação celular, inibição da proliferação de células cancerígenas e efeitos anti-inflamatórios, imunomoduladores, proapoptóticos e antiangiogênicos, levantando à hipótese de que a vitamina D poderia diminuir a capacidade de invasão tumoral e a propensão a metástases, o que levaria a uma taxa reduzida de morte por câncer.
É importante lembrar que ainda não foi possível estabelecer relação de causalidade quanto a esses fatores, o que motiva a manutenção da recomendação das sociedades pertinentes de que ainda não se justifica a suplementação de vitamina D visando esses efeitos.
Pesquisas de intervenção randomizadas e controladas por placebo ainda são escassas, entretanto, um importante estudo recentemente publicado no New England Journal of Medicine tenta fazer a diferença ao avaliar a relação entre vitamina D, câncer e doenças cardiovasculares.
Diferenciais do estudo:
- Este foi o maior estudo já feito com doses altas de vitamina D. Foram incluídos 25.871 homens e mulheres americanos saudáveis com 50 anos ou mais.
- Foi analisada uma população com diversidade racial (5106 participantes afroamericanos), étnica e geográfica.
- Realizado acompanhamento de longa duração (média de 5,3 anos), com altas taxas de adesão ao regime de estudo, mantendo níveis médios de 25 (OH)D no intervalo alvo.
Para a realização do estudo os participantes foram divididos em quatro grupos e aleatoriamente designados para tomar suplementos ou placebo, conforme descrito abaixo.
- Grupo 1 – Recebeu 2.000 IUs (unidades internacionais) de vitamina D3 todos os dias.
- Grupo 2 – Recebeu vitamina D e um placebo em vez de ômega-3.
- Grupo 3 – Recebeu ômega-3 e um placebo de vitamina D.
- Grupo 4 – Recebeu dois placebos.
Resultados e discussão
Este artigo relata os resultados da comparação do uso de vitamina D com placebo. Os desfechos primários foram câncer invasivo de qualquer tipo e eventos cardiovasculares maiores (um composto de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral ou morte por causas cardiovasculares).
Os desfechos secundários incluíram cânceres de localização específica, morte por câncer e eventos cardiovasculares adicionais. Estudos prévios testando doses de 400 a 1100 UI de vitamina D por dia, com ou sem cálcio, não mostraram benefício significativo com relação à incidência de câncer, mas sugeriram benefício com relação à taxa de mortes por câncer.
Neste grande ensaio de prevenção primária, a suplementação com vitamina D3 não levou a uma incidência significativamente menor de qualquer dos desfechos primários do que o placebo.
A intervenção também não levou a uma menor incidência de mortes totais por câncer ou a uma menor incidência de câncer de mama, próstata ou colorretal do que o placebo. Entretanto, a detecção de uma taxa reduzida de morte por qualquer causa, se presente, poderia exigir um acompanhamento mais longo.
O uso de vitamina D não levou a uma diferença significativa em nenhum dos desfechos cardiovasculares secundários ou na taxa de morte por qualquer causa no coorte geral ou em subgrupos, o que é compatível com resultados de estudos prévios.
Os efeitos não variaram de acordo com os níveis séricos iniciais de 25-hidroxivitamina D. Não foi identificado aumento no risco de hipercalcemia ou outros eventos adversos.
Em estudos observacionais, os níveis de 25 (OH)D associados a risco mais baixo tendem a estar acima de 30 ng/mL para câncer (pelo menos câncer colorretal), e entre 20 e 25 ng/mL para doença cardiovascular. Nesse estudo, a maioria dos participantes manteve níveis de 25 (OH)D dentro desses limites.
Os autores especulam que estudos envolvendo pessoas com níveis de 25 (OH)D abaixo de 20 ng/mL poderiam mostrar efeitos mais significativos no risco de doenças, porém manter os participantes em estado de deficiência de vitamina D por tempo prolongado não seria viável nem ético.
Conclusões
A suplementação com vitamina D não resultou em menor incidência de câncer invasivo ou eventos cardiovasculares do que o placebo.
Referências:
Vitamin D Supplements and Prevention of Cancer and Cardiovascular Disease. The New England Journal of Medicine. 2018. JoAnn E. Manson, M.D et al.
Posicionamento Oficial da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/ Medicina Laboratorial e da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Intervalos de Referência da Vitamina D – 25(OH)D. 2018.