A tireotoxicose é a síndrome clínica decorrente de níveis inapropriadamente altos de hormônios tireoidianos circulantes. 

Resulta da ativação do eixo hipotalâmico-hipofisário-tireoidiano em qualquer nível. Pode haver aumento da produção hormonal a partir dos folículos tireoidianos (hipertireoidismo), ingestão ou liberação de hormônio tireoidiano pré-formado.

É apresentada uma revisão sobre o assunto, recentemente publicada no Mayo Clinic Procedures. 

Em áreas iodo-suficientes, a causa mais comum de tireotoxicose não iatrogênica é a doença de Graves (DG), responsável por 80% dos casos, seguido por doença nodular da tireoide e tireoidite.

Doença de Graves

A DG, principal causa de hipertireoidismo, tem uma incidência anual de 20-50 casos/100.000 pessoas. O risco 6 vezes maior em mulheres do que em homens. Sua patogênese é fortemente influenciada pela genética. História familiar de disfunção tireoidiana pode ser encontrada em, aproximadamente, metade dos indivíduos com DG.

As manifestações clínicas se devem ao hipertiroidismo subjacente ou à infiltração celular imunomediada, sendo as mais comuns: perda de peso, fadiga, palpitações, tremor, e bócio. 

Diagnóstico

Suspeitar na presença de quadro clínico de tireotoxicose combinada com hipertireoidismo bioquímico (TSH baixo, e tiroxina [T4] e/ou triiodotironina [T3] altos). 

Quando sinais patognomônicos estão presentes (bócio difuso com orbitopatia, dermopatia ou acropatia), nenhum outro teste é necessário para estabelecer o diagnóstico etiológico. Na ausência destes sinais, pesquisa do anticorpo antirreceptor de TSH (TRAb) ou a cintilografia (captação difusamente aumentada do iodo radioativo) podem  confirmar o diagnóstico, diferenciando a DG de outras causas de tireotoxicose.

Mais recentemente, a ultrassonografia tireoidiana com Doppler colorido tem sido empregada com boa precisão para o diagnóstico de DG.

Tratamento

  • Controle dos sintomas: Dentre os betabloqueadores, o propranolol oferece o benefício adicional de diminuir a conversão periférica de T4 para T3. Em uma tempestade tireoidiana, os glicocorticoides também são usados ​​com essa finalidade;
  • Tratamento do hipertireoidismo: Ablação com iodo radioativo, drogas antitireoidianas (DATs) e tireoidectomia são as principais opções de tratamento. A qualidade de a vida após o tratamento não é diferente, independentemente de modalidade de tratamento escolhido.
    Há uma tendência de mudança na terapia da DG com redução da preferência pelo tratamento com iodo radioativo, e aumento do uso de DATs, inclusive em longo prazo.

1) DATs: inibem a síntese do hormônio tireoidiano por bloqueio da tireoperoxidase (TPO). Propiltiouracil (PTU) e metimazol (MMI) estão disponíveis no Brasil, com o primeiro fornecendo o benefício adicional de diminuir a conversão de T4 para T3. Apesar disso, o MMI é a droga de escolha (exceto no primeiro trimestre da gravidez) devido ao risco de hepatotoxicidade grave associada a PTU.

A dosagem inicial de MMI é selecionada com base na gravidade do quadro clínico e bioquímico da tireotoxicose: 

  • Leve (T4 livre 1-1,5 vezes o limite superior do normal): 5-10 mg/dia;
  • Moderado (T4 livre 1,5-2 vezes o limite superior normal): 10 a 20 mg/dia;
  • Grave (T4 livre de 2-3 vezes limite superior do normal): 20-40 mg/dia em doses divididas.

O período de tratamento é, em média, de 18 meses. Após suspensão da droga deve-se determinar remissão, que é definida como ausência de recorrência da DG após 12 meses sem tratamento. A taxa de remissão com DATs varia de 30%-60%, sendo que os seguintes fatores diminuem sua probabilidade:

  • Sexo masculino, idade inferior a 40 anos;
  • Recorrência prévia de DG;
  • Tabagismo;
  • Bócio volumoso;
  • Orbitopatia;
  • Alta proporção de T3 livre / T4 livre e altos títulos de TRAb no momento do diagnóstico;
  • Suspensão das DATs.

Reações adversas ocorrem em 13% dos pacientes tomando DATs. Reações cutâneas são mais comuns com MMI, no entanto, hepatotoxicidade é mais comum com PTU. O risco de hepatite é dependente da dose de DAT, aumentando consideravelmente com doses mais altas. É improvável que efeitos adversos se desenvolvam após os primeiros 3 a 6 meses de terapia.

Acompanhamento: dosar T4 livre e T3 total a cada 2-6 semanas até que o eutireoidismo seja alcançado. A dose deve ser então diminuída com base no declínio dos níveis de T4 e T3 livres. Uma vez que uma dose mais baixa mantenha o eutireoidismo, esta dose deve ser continuada com avaliação laboratorial a cada 2 a 3 meses, ou a cada 6 meses se a terapia com DAT a longo prazo for escolhida. Atualmente, há evidências insuficientes para apoiar a contagem de glóbulos brancos e testes de função hepática de rotina na ausência de sintomas clínicos em pacientes tomando DATs.

2) Dose terapêutica de iodo radiativo (RAI): a radiação induz necrose tecidual durante as 6-18 semanas subsequentes, resultando em hipotireoidismo em 80% a 90% dos pacientes após dose única. Pode ocorrer piora da oftalmopatia. Antes do tratamento é imperativo haver um resultado de teste de gravidez negativo para todas as mulheres em idade fértil. 

Acompanhamento: de 6- 10 semanas após a RAI, T4 livre e T3 total devem ser avaliados e então monitorados a cada 2-4 semanas até que haja evidências de progressão para hipotireoidismo, quando a terapia com LT4 ser iniciada.

3) Tireoidectomia: preferida quando há grandes bócios com sintomas de compressão, nódulos suspeitos ou orbitopatia ativa moderada a grave em pacientes que não toleram DATs.

Tratamento da DG na gestação

Idealmente, as pacientes devem alcançar o eutireoidismo antes de engravidar. Contudo, se o hipertiroidismo se desenvolver ou persistir durante a gravidez, o PTU é preferido durante o primeiro trimestre devido ao maior risco de defeitos congênitos graves associados ao MMI.

O risco de teratogenicidade diminui após a décima semana de gravidez e, portanto, a terapia com PTU é geralmente convertida em MMI devido ao aumento do risco de hepatotoxicidade pelo PTU. Independentemente do agente, a menor dose de DAT necessária para controlar o hipertireoidismo deve ser usada para prevenir o hipotireoidismo fetal.

Adenoma e Bócio Multinodular Tóxico

Tanto no adenoma tóxico (AT) como no bócio multinodular tóxico (BMNT) há hiperplasia focal ou multifocal de células foliculares da tireoide, com produção desequilibrada de hormônios tireoidianos devido à autonomia.

O BMNT é mais frequente em áreas deficientes em iodo. Mais comum em idosos, nos quais tende a se manifestar com tireotoxicose apática, caracterizada pela falta dos sintomas típicos do hipertireoidismo, na presença de sintomas cardíacos de início recente (insuficiência cardíaca e arritmias), alterações cognitivas, hipercalcemia, fraqueza e letargia. Esse quadro pode ser visto em até 15% dos pacientes idosos nos quais o hipertireoidismo se desenvolve, independentemente da causa.

Diagnóstico

Cintilografia de tireoide está indicada no cenário de um nódulo tireoidiano palpável, bócio nodular ou hipertireoidismo bioquímico com anticorpos negativos. 

No AT, há captação focal (chamado nódulo quente) com diminuição da captação no tecido tireoidiano circundante.

No BMNT, a varredura revela múltiplas áreas de aumento focal de captação intercaladas com regiões de captação diminuída, que representam tecido tireoidiano não afetado.

Tratamento

Tanto o AT como o BMNT podem ser tratados com RAI ou cirurgia. DATs são incapazes de induzir a cura para essas condições. Porém podem ser uma opção razoável em indivíduos com risco cirúrgico aumentado e/ou expectativa de vida limitada.

Para o AT, o risco de hipertiroidismo persistente é de 6% a 18% após RAI, e menor do que 1% após lobectomia tireoidiana ou istmectomia. Já o risco de hipotireoidismo após hemitireoidectomia gira em torno de 20%-55%. Com RAI, entretanto, há um risco progressivo de hipotireoidismo, e cerca de 60% dos pacientes desenvolvem hipotireoidismo após 20 anos. 

Para o BMNT o risco de hipertireoidismo persistente é de 11% a 20% com RAI, e inferior a 1% com tieroidectomia total/quase total. O risco de hipotireoidismo é de 16% 5 anos após RAI, versus 100% com tireoidectomia.

Quando disponível, a ablação por radiofrequência pode ser usada para tratar o AT com taxa de controle da tireotoxicose de 82%, além de levar a uma redução significativa do tamanho do nódulo. Essa modalidade é capaz de evitar o hipotireoidismo pela preservação do tecido tireoidiano circunjacente.

Disfunção Tireoidiana Induzida Por Amiodarona

A amiodarona é o agente antiarrítmico mais prescrito nos Estados Unidos. Cada comprimido de 100 mg fornece 10 vezes o teor médio de iodo diário da dieta americana. Outro fator preocupante é a meia vida longa da amiodarona,  de 100 dias, devido à sua natureza lipofílica.

Os efeitos da amiodarona na tireoide ocorrem de 2 maneiras: efeitos intrínsecos da droga, e efeitos relacionados ao seu conteúdo de iodo. Os resultados combinados dessas ações são que a amiodarona diminui a conversão de T4 em T3, inibe a ligação do T3 aos seus receptores nucleares, além de ter efeito tóxico direto nas células foliculares da tireoide, resultando em uma tireoidite destrutiva. 

Na doença tireoidiana subjacente, a carga excessiva de iodo recebida após a ingestão de amiodarona pode resultar em hipotireoidismo (efeito de Wolff-Chaikoff) ou hipertireoidismo (fenômeno de Jod-Basedow).

Embora o hipotireoidismo induzido por amiodarona seja uma entidade de fácil manejo através da terapia com LT4, a tirotoxicose induzida por amiodarona (TIA) traz desafios tanto para o diagnóstico como para o tratamento.  

 A tireotoxicose induzida por amiodarona é classificada como tipo 1 (aumento da síntese dos hormônios tireoidianos por DG ou BMNT subjacente) e tipo 2 (tireoidite destrutiva com liberação do hormônio previamente estocado na tireoide). A TIA tipo 2 é mais comum que o tipo 1. Os sintomas adrenérgicos clássicos da tireotoxicose são frequentemente mascarados pela atividade β-bloqueadora da amiodarona. Assim, os pacientes geralmente exibem tireotoxicose apática. 

Diagnóstico

A diferenciação entre os tipo 1 e 2 da TIA é importante porque os tratamentos são diferentes. No entanto, ambos os tipos podem coexistir.

A tabela abaixo resume as diferenças entre os tipos de tireoidite induzida por amiodarona

 

Tratamento

TIA tipo 1: Tratada com DATs em doses altas e por um período mais longo para evitar recidiva do hipertireoidismo. A terapia com radioiodo é impraticável nessa população. 

TIA tipo 2: Tratamento com dose alta de prednisona (40-60 mg / d) por 1 a 3 meses com redução progressiva. 

TIA de tipo Indefinido ou resposta inicial mínima: tanto prednisona como metimazol devem ser prescritos. 

Em cerca de 7% dos casos há resposta insuficiente, ou o tratamento clínico não é tolerado.  Nesses casos, a tireoidectomia está indicada. 

Saiba mais: Disfunções tireoidianas: epidemiologia, causas e fatores de risco

Adenoma Hipofisário Secretor de TSH
Muito raro (<1% dos adenomas hipofisários).

Diagnóstico

TSH inadequadamente normal ou alto para os níveis de T4. Os pacientes apresentam um pequeno bócio e sintomas de hipertireoidismo leve. Frequentemente, há sintomas de compressão local pelo tumor (dores de cabeça e defeitos do campo visual). Ressonância magnética de hipófise costuma revelar um macroadenoma.

Tratamento

Cirúrgico. Análogos de somatostatina podem ser uma opção para pacientes sem indicação de ressecção cirúrgica. Radioterapia convencional ou radiocirurgia são outras opções quando há cura incompleta com a cirurgia.

DATs devem ser evitadas: Risco de crescimento do tumor.

Mola Hidatiforme/Coriocarcinoma/ Tumores Testiculares de Células Germinativas

A gonadotrofina coriônica humana (hCG) estimula o receptor de TSH (reatividade cruzada). 

Diagnóstico: Hipertireoidismo laboratorial e captação de iodo radiativo normal ou aumentada. 

Tratamento: dirigido ao tumor subjacente. Contudo, β-bloqueio e DATs podem ser usados ​​para controle dos sintomas antes que o tratamento definitivo seja realizado.

Metástase de Câncer Folicular de Tireoide
Raro. Há cerca de 60 casos descritos. Por disseminação hematogênica. O paciente passa a ter supressão do TSH com doses de LT4 muito menores que as habituais, ou a supressão do TSH se mantém apesar da descontinuação do LT4. O tratamento requer abordagem utilizando uma combinação de DATs, RAI, cirurgia ou radiação. 

Struma Ovarii

O diagnóstico deve ser considerado em qualquer mulher com hipertireoidismo bioquímico, ausência de bócio, ausência de captação à cintilografia no pescoço e aumento da tireoglobulina. A ultrassonografia pélvica deve então ser a próxima passo no diagnóstico. O tratamento é cirúrgico com remoção do tumor.

Tirotoxicose sem Hipertireoidismo

Tireoidite

O termo “tireoidite” se refere a qualquer distúrbio que resulte da inflamação do tecido tireoidiano resultando em tirotoxicose pela liberação de hormônio tiroidiano pré-formado.

As principais características de cada subtipo estão relacionadas na tabela abaixo:

 

Tratamento específico das tireoidites

Subaguda: Tratamento suportivo. Doença autolimitada. Anti-inflamatório não esteroide para controle da dor cervical. Se este tratamento for insuficiente, pode-se administrar prednisona com redução gradual da dose. Β-bloqueio é útil para os sintomas de tireotoxicose. A função da tireoide geralmente se recupera. Durante a fase de hipotireoidismo, prescrição de LT4 pode ser necessária por tempo limitado se sintomas moderados a graves. A função tireoidiana deve ser monitorada a cada 3 a 4 semanas até retorno ao eutireoidismo .

Indolor: Tratamento suportivo. O paciente desenvolve tireotoxicose (resultante da destruição da tireoide) inicialmente, quando pode ser indicado β-bloqueio, e, em seguida, hipotireoidismo transitório se desenvolve na maior parte dos casos (persistente em 20% ).

Tireoidite pós-parto: Pode acometer  5% a 7% das mulheres nos primeiros meses após o parto. Há 70% de risco de tireoidismo pós parto recorrente após o primeiro episódio. O tratamento é suportivo, assim como na tireoidite indolor.

Tireoidite induzida por drogas: Remoção do agente agressor quando possível. O tratamento é de apoio, controlando os sintomas de tireotoxicose com β-bloqueadores, e iniciando LT4 quando o hipotiroidismo se desenvolve.

Conclusão

A avaliação diagnóstica da tireotoxicose deve começar a partir do quadro clínico. E, em seguida, associar testes bioquímicos, dados de medicina nuclear e imagem por ultrassonografia, conforme apropriado.

A biotina está sendo cada vez mais reconhecida como fator que leva a resultados bioquímicos espúrios, o que deve ser considerado ao se interpretar exames laboratoriais. Isso pode ser evitado com a suspensão da biotina por pelo menos 12 horas, mas de preferência 24 horas antes da realização dos testes de tireoide. 

Distinguir o aumento da produção hormonal da tireoide de tireoidite continua sendo o ponto principal para a decisão terapêutica. Acompanhamento clínico é essencial.

 

Referências:

  • Sharma A. Thyrotoxicosis: Diagnosis and Management. Mayo Clin Proc. 2019;94(6):1048-1064.
     

Artigo publicado no Portal PEBMED em 05 Setembro de 2019

Autora: Daniele C. Tokars Zaninelli, endocrinologista em Curitiba.