Suplementos Alimentares Podemos confirar nos rótulos CAPA

 

O risco de lesão hepática pelo uso de suplementos alimentares (SA) já é bem conhecido. Os principais agentes responsáveis são: esteroides anabolizantes, extrato de chá verde e suplementos nutricionais com múltiplos ingredientes.

Navarro e cols, grandes estudiosos do tema, usam o termo “suplementos dietéticos e a base de ervas” para referir-se a qualquer suplemento que possa estar implicado na lesão hepática. Estes produtos incluem suplementos à base de ervas naturais ou preparados de plantas, produtos como vitaminas, minerais, aminoácidos e proteínas que são utilizados para complementar a dieta, além de suplementos que melhoram o desempenho, e que podem conter esteroides anabolizantes sintetizados quimicamente. Podem ser encontrados em diversas formas: comprimidos, cápsulas e pós, bem como bebidas e barras energéticas.

Como não passam por aprovação do FDA, esses produtos podem conter ingredientes não declarados, contaminantes químicos e microbianos, adulterantes farmacêuticos ou outros compostos, alguns com potencial hepatotóxico.

O gráfico abaixo mostra a distribuição dos suplementos alimentares implicados em lesões hepáticas segundo o “DILIN” (Drug Induced Liver Injury Network) – estudo prospectivo multicêntrico que visa auxiliar na compreensão da etiologia, fatores de risco e evolução dos danos hepáticos induzidos por drogas nos Estados Unidos.

Liver Injury from Herbal and Dietary Supplements. Hepatology 2017. Navarro et al.

Para analisar o conteúdo e determinar a frequência de erros na rotulação dos suplementos alimentares, Navarro e colaboradores realizaram a verificação química de amostras de produtos coletados pelo DILIN. Os autores descobriram que apenas 90 (44%) dos 203 suplementos analisados apresentavam rótulos que refletiam com precisão seus componentes.

Segue um resumo dos resultados nos gráficos abaixo:

Suplementos Alimentares Podemos confirar nos rótulos Imagem 2

 maioria dos autores acredita que os eventos adversos por SA sejam subestimados e isso pode ser observado na prática clínica. Quando interrogamos nossos pacientes quanto ao uso de medicamentos ou outras substâncias durante a avaliação médica, grande parte nem sequer cita o uso de SA, provavelmente porque as campanhas de marketing os levam a crer que sejam substâncias inócuas e por isso nem mereçam ser lembradas. Entretanto, os SA são responsáveis por cerca de 20% de todos os casos de toxicidade hepática nos Estados Unidos, entre outros eventos adversos que podem levar até a morte.

RISCO DE EVENTOS AGUDOS RELACIONADOS AO USO DOS SA

Um artigo publicado no NEJM em 2015 avaliou os dados dos atendimentos realizados em 63 serviços de emergência nos Estados Unidos devido a eventos adversos relacionados ao uso de suplementos alimentares no período de 2004 a 2013. Esses dados levaram a uma estimativa do número de visitas realizadas anualmente no país.

Com base em 3.667 casos, os autores estimaram uma média de 23.005 atendimentos/ano, que resultariam em aproximadamente 2.154 hospitalizações/ano relacionadas a eventos adversos pelo uso de suplementos alimentares. A imagem abaixo mostra os dados de acordo com a categoria do suplemento e sexo:

Suplementos Alimentares Podemos confirar nos rótulos Imagem 4

Emergency Department Visits for Adverse Events Related to Dietary Supplements. New England Journal of Medicine 2015

Mais de metade dos atendimentos de emergência por eventos adversos relacionados ao uso de suplementos envolveu mulheres. A média de idade dos pacientes atendidos foi de 32 anos.

Aproximadamente 66% dos eventos estiveram associados ao uso de um único complemento nutricional ou produto a base de plantas. Produtos emagrecedores (25% das visitas) e energéticos (10% das visitas) estiveram relacionados a 71,8% dos eventos cardiovasculares – incluindo palpitações, dor torácica ou taquicardia, que também foram comuns com o uso de produtos para musculação e melhora do desempenho sexual.

Entre aqueles com mais de 65 anos, asfixia ou disfagia induzida por pílulas levaram a 37,6% dos atendimentos, sendo que o uso de micronutrientes esteve envolvido em 83% dos casos. O FDA recomenda que os comprimidos farmacêuticos não ultrapassem os 22mm, entretanto isso não é exigido para os suplementos alimentares.

Outros eventos comuns foram reações alérgicas, sintomas digestivos e dor abdominal.

OUTROS 10 PROBLEMAS RELACIONADOS AOS SUPLEMENTOS ALIMENTARES

1. PROBLEMAS REGULATÓRIOS

Não há, na legislação sanitária brasileira, uma regulamentação específica para os SA. No Brasil, os produtos conhecidos como “dietary supplements” estão enquadrados em alguma das categorias previstas na legislação, seguindo diferentes normas que regulam os mais variados setores, como: suplementos para atletas, alimentos com propriedades funcionais, novo alimento, entre outros.

 

Suplementos alimentares- Documento de base para discussão regulatória ANVISA 2017

Portanto, o mercado de SA é formado por produtos com eficácia duvidosa, diferentes níveis de risco, e que misturam características de alimentos e de medicamentos. A ANVISA (Agência nacional de vigilância sanitária) está estudando ações para a regulamentação das substâncias que podem se enquadrar nessa categoria.

O Food and Drug Administration (FDA) regula os suplementos dietéticos sob a Lei de Saúde e Educação sobre Suplementos Dietéticos de 1994 (DSHEA). Em 1994 havia aproximadamente 4 mil suplementos disponíveis nos EUA. Atualmente existem mais de 80 mil. As dificuldades regulatórias são muitas.

2. NEM SEGUROS, NEM EFICAZES!

Ao contrário das exigências para a liberação de drogas convencionais, o FDA não pode exigir testes quanto à segurança ou eficácia dos suplementos dietéticos e a base de plantas antes de sua comercialização. Além disso, a agência só pode retirar um produto do mercado após demonstrar que o mesmo representa um risco significativo à saúde da população, ou seja, depois que os danos já aconteceram.

Embora estabelecido que os fabricantes devam fornecer dados completos quanto à pureza, concentração e composição dos suplementos dietéticos, os regulamentos não especificam quais métodos analíticos são necessários para tal verificação.

3. AUTO-MEDICAÇÃO

A maioria dos consumidores usa SA por conta própria. Nos EUA, os suplementos dietéticos são vistos mais como alimentos do que como drogas, sendo considerados seguros a menos que se prove o contrário. Em geral, os usuários desconhecem sua real composição.

Embora não possam ser comercializados com a promessa de prevenção ou tratamento de doenças, muitos usuários buscam nessas substâncias o alívio de sintomas – substituindo ou complementando terapias médicas convencionais (ocidentais) – o que pode levar ao atraso no diagnóstico e tratamento de uma possível patologia subjacente.

4. CONTAMINAÇÃO DOS PRODUTOS

Eventos adversos podem ser decorrentes de contaminantes dos SA, e não se trata apenas de substâncias tóxicas, mas também da presença de outras ervas com efeitos desconhecidos. Há casos em que produtos sintéticos adicionados podem conter substâncias intermediárias dos componentes principais, com efeitos tóxicos potenciais e não determinados.

Ainda há a possibilidade de adição ilícita de medicamentos convencionais, como inibidores de 5-fosfodiesterases (sildenafil), agentes anti-inflamatórios não hormonais, estatinas e corticosteroides, muitas vezes responsáveis pelos efeitos “milagrosos” de determinados produtos reconhecidos como “naturais” na crença popular.

5. DIFICULDADE EM ESPECIFICAR O AGENTE CAUSADOR DO EVENTO ADVERSO

Não é tarefa simples identificar o agente causador de eventos adversos. Em muitos casos a composição exata do SA é desconhecida. Em geral faltam dados confiáveis não só quanto à composição, mas também quanto à pureza química de seus constituintes.

Estudos mostram que a maioria dos casos de lesão hepática associada ao consumo de SA está relacionada ao uso de produtos com múltiplos ingredientes, porém o componente responsável pela toxicidade geralmente é desconhecido ou pode ser apenas suspeitado.

6. BULA INCOMPLETA OU INCORRETA

Ao contrário das exigências para a comercialização de medicamentos convencionais, os suplementos não precisam trazer informações sobre possíveis eventos adversos na embalagem e, geralmente, trazem informações incorretas quanto a seus componentes.

Apesar de ser proibido anunciar eficácia de um SA para o tratamento de doenças ou outras condições, os fabricantes podem anunciar supostos benefícios como aumento de energia, bem-estar, saúde do fígado, desempenho sexual ou emagrecimento, o que certamente confunde a população podendo induzir escolhas duvidosas.

7. A INTERAÇÃO DOS SA COM MEDICAMENTOS CONVENCIONAIS É POUCO CONHECIDA

Estima-se que quase 20% dos usuários de drogas com prescrição médica consumam simultaneamente SA, muitas vezes sem informar ao médico assistente. As interações de medicamentos com SA não são completamente conhecidas, podendo levar a problemas clínicos decorrentes da interação medicamentosa.

Suplementos antioxidantes como as vitaminas C e E podem reduzir a eficácia de alguns tipos de quimioterapia para câncer. Já a erva de São João pode acelerar a degradação de muitas drogas (incluindo antidepressivos e pílulas anticoncepcionais) e assim reduzir a eficácia dessas drogas, apenas para citar alguns exemplos.

8. BARREIRAS PARA A ANÁLISE TOXICOLÓGICA DOS SA

Compostos simples, em geral, podem ser analisados com resultados satisfatórios, o que é uma rotina no desenvolvimento de produtos farmacêuticos convencionais. Entretanto, quando se trata de SA, a complexidade de componentes e misturas desafia qualquer análise e costumam restar muitas lacunas quanto à identificação do potencial de toxicidade desses produtos.

9. EFEITOS COLATERAIS SUBESTIMADOS

Os fabricantes são obrigados a notificar aos órgãos regulatórios sobre possíveis efeitos colaterais dos SA, mas apenas quando são graves. O uso de SA sem acompanhamento médico pode fazer com que eventos adversos não sejam detectados. Quando detectados, são muitas vezes subestimados e inadequadamente documentados, o que impede uma avaliação confiável da causalidade, gravidade e evolução clínica.

10. UM RISCO DESNECESSÁRIO!

Mesmo acontecendo com frequência muito menor do que é observado com produtos farmacêuticos convencionais, qualquer evento adverso decorrente do uso de suplementos alimentares deve ser valorizado, já que a maior parte dos usuários o faz sem uma indicação formal, expondo-se a riscos que poderiam ser evitados.

Devemos levar em consideração que pessoas saudáveis com acesso a uma alimentação equilibrada não precisam de suplementos. O Guia Alimentar da População Brasileira, publicado pelo Ministério da Saúde, traz as orientações para a adoção de hábitos alimentares capazes de suprir as necessidades nutricionais e trazer benefícios à saúde.

Suplementos alimentares só deveriam ser utilizados na presença de indicação nutricional ou médica bem estabelecida.

Referências:

  • Emergency Department Visits for Adverse Events Related to Dietary Supplements. New England Journal of Medicine 2015. Andrew I. Geller et al.
  • Liver Injury from Herbal and Dietary Supplements. Hepatology 2017. Victor Navarro et al.
  • The Frequency of Herbal and Dietary Supplement Mislabeling: Experience of the Drug Induced Liver Injury Network. 2017. AASLD LiverLearning 2017. Navarro et al.
  • Suplementos alimentares: Documento de base para discussão regulatória ANVISA 2017.

Dra. Daniele Zaninelli é endocrinologista formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e atua em Curitiba. CRM-PR: 16876

 

Fonte: PEBMED

Publicado em 03/01/2018.