diabetes tipo 2 (DM2) é uma doença complexa que afeta cerca de 12% da população. O aumento crescente na prevalência da doença está relacionado a fatores como excesso de peso e sedentarismo, associados à susceptibilidade genética e ao envelhecimento da população.

O DM2 gera consequências devastadoras para a saúde, afetando vasos sanguíneos de diferentes calibres, podendo levar à retinopatia e perda visual, nefropatia e insuficiência renal, neuropatia periférica e amputações, bem como a problemas cardiovasculares (infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral), que podem colocar a vida em risco.

O problema aumenta quando levamos em consideração que até metade dos doentes vive sem saber de sua condição, já que as pessoas podem desenvolver DM2 sem sintomas. Com isso, perde-se a oportunidade de prevenir as complicações da doença, que aumentam ao longo do tempo.

Embora o pulmão ainda não tenha sido incluído na lista de órgãos que classicamente podem ser afetados pelo diabetes, o fato de ser altamente vascularizado e rico em colágeno e fibras de elastina o torna um potencial alvo para os efeitos da hiperglicemia crônica. As evidências levam a crer que os mesmos distúrbios fisiológicos e histológicos que afetam outros órgãos e sistemas também podem afetar a função pulmonar.

Já foi demonstrado que o aumento da exposição glicêmica está associado à redução da função pulmonar no DM2, e 10% de redução no volume expiratório forçado no primeiro segundo (FEV1) é um preditor independente de mortalidade por todas as causas nesta população.

Dados clínicos e epidemiológicos também apoiam a noção de que o DM2 tem um efeito deletério na respiração durante o sono, tornando-se um fator de risco independente para hipoxemia noturna grave.

Uma ampla revisão sobre o assunto foi publicada recentemente no periódico Endocrine Reviews. O artigo traz como pontos principais:

1) A redução da função pulmonar está negativamente associada à glicemia plasmática em jejum, hemoglobina glicada, duração do diabetes e sua gravidade.

2) Insulina e leptina, inflamação crônica de baixo grau, dano microvascular e neuropatia autonômica desempenham um papel essencial no dano pulmonar associado ao DM2.

3) Os achados histopatológicos incluem o espessamento do epitélio alveolar e da lâmina basal capilar pulmonar, redução do espaço alveolar, maiores graus de fibrose e microangiopatia, e modificações na secreção mucosa.

4) O DM2 afeta a respiração durante o sono, é um fator de risco independente para taxas mais altas de apneia do sono e leva à hipoxemia noturna e sonolência diurna.

5) O papel de algumas opções terapêuticas como sensibilizadores de insulina e terapias baseadas em incretinas na função pulmonar merecem mais pesquisas.

6) Recomenda-se que os pacientes com DM2 sejam considerados um grupo vulnerável para disfunção pulmonar.

 

Quais pacientes com DM2 estão em maior risco de complicações pulmonares?

Como em outras complicações crônicas associadas à microangiopatia do diabetes, a disfunção pulmonar parece ser mais frequente nos pacientes com maior duração da doença e com pior controle metabólico.

Não podemos esquecer que há uma estreita relação entre obesidade e DM2, o que levou até a criação do termo “diabesidade”. Portanto, o excesso de peso deve ser considerado como um fator de risco que contribui para a doença pulmonar restritiva em indivíduos com DM2. Estudos já demonstraram que os efeitos mecânicos da obesidade central e os efeitos metabólicos do tecido adiposo explicam parcialmente o comprometimento da função pulmonar em pacientes com obesidade associada.

Devemos rastrear pacientes com diabetes para disfunção pulmonar e distúrbios do sono?

Os autores sugerem aguardar os resultados de estudos destinados a determinar a relação custo-benefício de incluir em visitas de rotina testes diagnósticos simples de espirometria e questionários para avaliar a sonolência diurna e a qualidade do sono.

O diagnóstico de disfunção pulmonar modifica o tratamento do DM2?

Mais estudos são necessários para avaliar o impacto da melhora do controle metabólico na função pulmonar e na respiração durante o sono, assim como para determinar os efeitos de cada modalidade terapêutica.

Deve-se considerar o potencial benéfico de terapias baseadas em incretinas – principalmente os agonistas dos receptores GLP-1 – na função pulmonar, que parecem especialmente relevantes devido a seu potencial de aumentar a produção pulmonar de surfactantes e melhorar a estabilidade e diâmetro das vias aéreas.

Além disso, o tratamento de pacientes com DM2 com envolvimento pulmonar inclui atenção aos hábitos de vida (cessação do tabagismo, dieta saudável e um bom nível de atividade física), medidas nutricionais e treinamento muscular.

Qual o impacto na vida do paciente com DM2?

As evidências atuais mostram que os pulmões podem ser mais um alvo para as complicações crônicas do diabetes, comprometendo a função respiratória e afetando adversamente a respiração durante o sono, tornando-se um fator de risco independente para apneia do sono, com aumento do risco de hipoxemia grave durante a noite e sonolência diurna.

Pacientes com DM2 devem ser considerados um grupo vulnerável para disfunção pulmonar.

Referências:

  • Pulmonary Function and Sleep Breathing: Two New Targets for Type 2 Diabetes Care. Endocrine Reviews. Albert Lecube et al. 2017.

Dra. Daniele Zaninelli é endocrinologista formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e atua em Curitiba. CRM-PR: 16876

 

Fonte: PEBMED

Publicado em 28/02/2018.