O hipotireoidismo é freqüentemente observado em idosos, e a tireoidite crônica autoimune (tireoidite de Hashimoto) é a causa mais comum.
O hipotiroidismo é definido pelo aumento dos valores do hormônio estimulante da tireoide (TSH), acompanhado por redução da tiroxina livre (T4L) e da triiodotironina livre (T3L). Já o hipotireoidismo subclínico (HSC) é caracterizado pelo aumento dos valores de TSH com níveis normais de T3L e T4L.
Nos casos de hipotireoidismo evidente (TSH>10mUI/L), a terapia de reposição com L-T4 (levotiroxina) é aconselhável e necessária, já que esta condição se associa a um aumento na incidência de eventos cardiovasculares, assim como a um aumento global da mortalidade.
No entanto, quando a insuficiência tireoidiana é leve (TSH<10mUI/L), um maior cuidado na abordagem diagnóstica e terapêutica é necessário, especialmente em pacientes idosos. Na verdade, o objetivo do tratamento e o equilíbrio entre riscos e benefícios podem mudar dependendo das características clínicas de cada paciente, ou seja, devemos tratar o “paciente”, e não apenas seu “exame”.
Diagnóstico de hipotireoidismo no idoso
Modificações complexas do eixo hipotálamo / hipófise / tireoide e do metabolismo periférico dos hormônios tireoidianos têm sido descritas em idosos eutireoidianos. No entanto, ainda é uma questão de debate se a função tireoidiana reduzida nos idosos é apenas uma consequência de uma solicitação metabólica reduzida, ou se representa uma condição protetora contra o aumento do catabolismo observado no processo de envelhecimento.
Para diferenciar o HSC das modificações fisiológicas do eixo hipotálamo-hipófise-tireoidiano relacionadas à idade, é crucial considerar os mecanismos patogênicos mais frequentes de insuficiência tireoidiana em pessoas idosas, conforme detalhado a seguir.
1. Limites de TSH dependentes da idade
Intervalos de referência do TSH relacionados à idade ainda não foram definidos, mas estudos têm estimado as variações decorrentes do envelhecimento.
2. Autoimunidade tireoidiana: dosagem do anticorpo anti-tireoperoxidase (ATPO)
É o teste mais sensível para determinar a presença de autoimunidade. Fornece informações sobre o risco de progressão para o hipotireoidismo franco.
Taxa de progressão para hipotireoidismo:
ATPO positivo | ATPO negativo |
4,3% ao ano | 2,6% ao ano |
*Quando a presença de ATPO for demonstrada, o controle de seus níveis com medições repetidas é desnecessário.
Ultrassonografia de tireoide
Em quase 20% dos indivíduos com Tireoidite de Hashimoto (TH) a dosagem dos autoanticorpos (ATPO) e anticorpo antitireoglobulina [ATG]) pode ser negativa. Nesses casos a ecografia de tireoide pode auxiliar no diagnóstico, demonstrando heterogeneidade e hipoecogenicidade típicas do tecido tireoidiano acometido pela inflamação crônica da TH.
3. Outras causas de hipotireoidismo no idoso
Iatrogênica: Uso de medicamentos tireostáticos (metimazol, perclorato e propiltiouracil), inibidores de tirosina-quinase, betabloqueadores, interferon-alfa, IL-2, lítio e etionamida.
Geralmente o dano iatrogênico é transitório e reversível após suspensão do agente causal. Nestes casos, recomenda-se monitorização periódica da função tiroidiana pelo menos duas vezes por ano.
- Tireoidectomia e radioiodoterapia.
- Drogas que interferem com a absorção da L-T4 podem interferir no controle do hipotireoidismo, especialmente em idosos.
Tratamento do hipotireoidismo e do HSC no idoso
A terapia personalizada é crucial em faixas etárias avançadas, e múltiplos fatores devem ser levados em consideração:
- Recomenda-se avaliar a presença de sinais e sintomas de hipotireoidismo antes de iniciar qualquer tratamento. Infelizmente, a identificação do quadro clínico clássico de hipotireoidismo em idosos é bastante desafiadora devido à presença de sintomas inespecíficos como fadiga, alterações cognitivas, distúrbios do sono, constipação, etc., especialmente em pacientes frágeis com comorbidades.
- É essencial avaliar se o paciente está recebendo drogas que possam interferir na função tireoidiana (exemplo: amiodarona), especialmente em idosos com várias comorbidades.
- Considerar os valores de TSH e sua tendência ao longo do tempo. As diretrizes internacionais sugerem um corte de 10 mIU/L para definir a necessidade de tratamento. O aumento “fisiológico” do TSH sérico relacionado à idade geralmente não atinge níveis maiores que 7 a 8 mUI/L.
O tratamento deve ser considerado apenas para pacientes com HSC persistente, após confirmação dos níveis séricos de TSH após 3 a 6 meses.A tabela abaixo traz um resumo das principais recomendações para definição da necessidade de tratamento com L-T4 em pacientes idosos com hipotireoidismo:
Paciente em forma | Paciente frágil |
TSH sérico | 65-75 anos | >75 anos | 65-75 anos | >75 anos |
>10 mUI/L | Tratar | Tratar a/observar | Observar/tratar ᵃ | Observar |
6-10 mUI/L | Observar/tratar ᵃ,ᵇ | Observar/tratar ᵃ,ᵇ | Observar | Observar |
4-6 mUI/L | Observar/tratar ᵃ,ᵇ | Observar | Observar | Observar |
ᵃNa presença de ATPO/ATG, sintomas de hipotireoidismo, doenças concomitantes possivelmente prejudicadas por hipotireoidismo leve (ex: IC), também de acordo com a vontade do paciente. ᵇNo caso de aumento progressivo do TSH ≥ 10mUI/L.
A levotiroxina é a droga de escolha para o tratamento do hipotireoidismo. O risco de sobretratamento, potenciais reações adversas a medicamentos e adesão devem sempre ser considerados.
- A dosagem de L-T4 deve ser titulada a partir de 0,4 a 0,5 µg/kg/d com incrementos de 10% a 15% após 6 a 8 semanas, se necessário, e o valor alvo de TSH deve ser entre 2,5 e 3,5 mUI/L, de acordo com as diretrizes internacionais.
- Pacientes frágeis são mais vulneráveis aos efeitos colaterais, e a prescrição de L-T4 deve ser cuidadosamente equilibrada com o risco de sobretratamento (por exemplo, ingestão excessiva de L-T4 como resultado de titulação da dose no início do tratamento, etc.).
- Quando a opção for pela terapia de reposição, é altamente recomendado, especialmente nos pacientes mais idosos, monitorar a função tireoidiana periodicamente (cada 6 meses) para evitar o tratamento excessivo e o consequente impacto negativo no sistema cardiovascular e osteomusculares.
Princípios básicos da administração de L-T4
Quando administrada oralmente, a L-T4 é absorvida no jejuno e no íleo, 2 a 3 horas após a ingestão. É importante levar em conta que a administração de alimentos e outras drogas (exemplo: inibidores da bomba de prótons), juntamente com L-T4, prejudicam a sua absorção. Portanto, recomenda-se administrar L-T4 uma hora antes do café da manhã ou três ou mais horas após o jantar.
A absorção gastrointestinal é o evento crítico a ser considerado na terapia, e pode ser influenciado por múltiplos fatores de natureza diferente, desde a adesão do paciente à terapia, até a presença de doenças gastrointestinais (exemplo: atrofia gástrica, Helicobacter Pylori, intolerância à lactose ou doença celíaca) e/ou a ingestão concomitante de medicamentos ou alimentos.
O uso de terapia combinada com T4 + T3 ainda é uma questão de debate. Uma recente revisão da literatura pertinente examinou vários estudos comparando diferentes desfechos da terapia combinada em comparação com a abordagem clássica. Ao avaliar a qualidade de vida (QV), humor e desempenho cognitivo, a maioria dos trabalhos não demonstrou vantagens da associação, e um possível efeito placebo foi considerado digno de nota.
Os resultados em termos de eventos cardiovasculares, diabetes, fraturas, fibrilação atrial ou morte foram comparáveis entre os grupos de terapia combinada ou padrão. A única diferença foi um aumento do uso de drogas antipsicóticas na população de terapia combinada, presumivelmente como resultado do uso de T3. A terapia combinada está contraindicada em mulheres grávidas assim como em indivíduos com arritmias cardíacas, e precaução é necessária em idosos.
Conclusão
Com o conhecimento da extrema variabilidade da fisiopatologia hormonal da tireoide em idosos, é crucial evitar um diagnóstico superficial que pode resultar em tratamento inadequado, especialmente em casos de aumento discreto do TSH sérico (até 10 mIU/L).
Referências:
- Hypothyroidism in the Elderly: Who Should Be Treated and How? Calsolaro V et al. January 2019 doi: 10.1210/js.2018-00207 | Journal of the Endocrine Society.
Artigo publicado no Portal PEBMED em 27 de março de 2019
Autora: Daniele C. Tokars Zaninelli, endocrinologista em Curitiba.