Embora o monitoramento da ingestão de carboidratos e a análise da resposta da glicemia ao carboidrato na dieta sejam fundamentais para melhorar o controle glicêmico pós-prandial, estudos que examinam a quantidade ideal de ingestão de carboidratos para pessoas com diabetes ainda não conseguiram responder a esta questão.

Apesar disso, a Associação Americana de Diabetes (ADA) reconhece a dieta com baixo teor de carboidratos como uma estratégia a ser considerada no tratamento de pacientes com DM2, porém não especifica qual deve ser a quantidade de calorias provenientes de carboidratos. A recomendação quanto à importância de individualizar o aconselhamento dietético com base nos objetivos metabólicos e nas preferências pessoais de cada paciente continua atual.

As novas diretrizes da ADA fazem o alerta de que este plano dietético não deve ser recomendado para mulheres grávidas ou lactantes, pessoas com diagnóstico ou risco de transtornos alimentares ou pessoas com doença renal, e deve ser usado com precaução em pacientes que tomam inibidores do cotransportador sódio-glicose 2 (i-SGLT2 ) devido ao risco potencial de cetoacidose.

A controvérsia que envolve o tema pode ser explicada, em parte, pelos seguintes fatores:

  • Diferenças na definição de baixo teor de carboidratos nas pesquisas: as prescrições dietéticas podem variar de dietas cetogênicas (geralmente <50 g de carboidratos por dia) a 45% de energia proveniente de carboidratos;
  • Diferenças de perda de peso entre os grupos intervenção e controle e dos níveis basais de hemoglobina glicada (HbA1c) dos participantes;
  • Relatos inconsistentes quanto às mudanças no tratamento medicamentoso para diabetes;
  • Adesão variável às dietas prescritas.

Ação da dieta pobre em carboidratos no controle glicêmico

Revisões sistemáticas e meta-análises de ensaios randomizados controlados que compararam dietas pobres e ricas em carboidratos, publicados nos últimos dois anos, mostraram uma maior  eficácia de curto prazo das dietas pobres em carboidratos na melhora da HbA1c (diferença média –1,38% a –0,34%) em adultos com DM2 em comparação com as de alto teor de carboidratos. Restrições a menos de 26% das calorias provenientes dos carboidratos produziram as maiores melhorias na HbA1c.

Em contraste, dietas moderadamente restritas (26–45% da energia proveniente dos carboidratos) não mostraram vantagem adicional com relação às dietas com alto teor de carboidratos. No entanto, não houve diferença significativa na melhoria da HbA1c entre dietas de baixo teor de carboidratos e dietas ricas em carboidratos após 1 ano de seguimento.

Melhorias em curto prazo na HbA1c dos participantes submetidos a dietas com baixo teor de carboidratos podem ser decorrentes de maior perda de peso precoce (os participantes perderam até 2,5 kg a mais do que aqueles em dietas ricas em carboidratos nos primeiros 3 meses). A reincidência também pode ter contribuído para a menor diferença, particularmente em estudos de longo prazo, com menor intensidade de intervenção.

Importante observar que esses achados não indicam inequivocamente a ausência de um benefício em longo prazo das dietas de baixo teor de carboidratos. Foi demonstrada uma menor necessidade de medicamentos para diabetes em participantes que consumiram a dieta com baixo teor de carboidratos, o que pode subestimar o efeito redutor da glicose deste tipo de intervenção.

Um estudo randomizado controlado de dois anos publicado em 2018 comparou os efeitos de uma dieta hipocalórica com baixo teor de carboidratos (14% de energia de carboidratos) com uma dieta equilibrada rica em carboidratos (53% de energia de carboidratos) com ênfase em alimentos integrais e com baixo índice glicêmico no controle glicêmico e fatores de risco cardiovascular em 115 adultos com obesidade e DM2.

Abaixo estão listadas as diferenças no desenho deste estudo com relação aos anteriores:

  • As dietas foram isocalóricas permitindo a comparação da eficácia metabólica excluindo fatores de confusão como diferenças na ingestão de energia e perda de peso;
  • As alterações na prescrição de medicamentos para diabetes foram quantificadas em todo o estudo;
  • A dieta prescrita tinha baixo teor de carboidratos (ingestão média de carboidratos de 83g/dia ou 19% da energia total), baixo teor de gordura saturada e alto teor de gordura insaturada, incorporando castanhas e óleos vegetais;
  • A adesão dietética foi avaliada por registros alimentares autorreferidos e corroborados com biomarcadores objetivos (cetonas plasmáticas e razão uréia-creatinina urinária).
  • 33 (57%) dos 58 participantes permaneceram no estudo aos 2 anos, com uma taxa de abandono semelhante em ambos os grupos.

Melhora substancial e similar na perda de peso e HbA1c ocorreram em ambas as dietas, no entanto os participantes da dieta pobre em carboidratos tiveram maiores reduções na variabilidade glicêmica e nos medicamentos para diabetes. Notavelmente, essas melhorias foram sustentadas ao longo do tempo, mesmo quando os participantes não estavam mais perdendo peso. Reduções nos medicamentos para diabetes também ocorreram na primeira semana da dieta, antes que perda de peso substancial ocorresse.

Implicações práticas:

  • Esses achados ressaltam os potentes efeitos das dietas low-carb na redução glicêmica, o que leva à necessidade de seguimento dinâmico do paciente e monitoramento ativo da glicemia para titulação dos medicamentos para diabetes, particularmente quando estes envolvem risco aumentado de hipoglicemia (insulina e sulfonilureias, por exemplo);
  • Além disso, tanto os inibidores do cotransportador de sódio-glicose-2 (i-SGLT2) como as dietas pobres em carboidratos estimulam a cetogênese. Deve-se tomar cuidado especial com pacientes em uso de i-SGLT2 que iniciam uma dieta com baixo teor de carboidratos pelo aumento no risco de desenvolver cetoacidose diabética euglicêmica;
  • Consistente com estudos anteriores, participantes da dieta pobre em carboidratos tiveram maiores benefícios no perfil lipídico (maior redução de triglicerídeos com manutenção do HDL);
  • Embora carboidratos na dieta sejam os maiores determinantes da glicemia, diferenças na qualidade e fonte de gordura e proteína em uma dieta com baixo teor de carboidratos podem produzir diferentes efeitos na saúde.
    pesar de haver haver definição de uma dieta que sirva para todos os pacientes, a evidência disponível sugere uma potencial utilidade clínica das dietas pobres em carboidratos no arsenal de estratégias para o controle do DM2, porém ainda há escassez de evidências de ensaios rigorosos.

Conheça algumas das recomendações nutricionais atuais da ADA:

  • Ao prescrever uma dieta para o paciente com DM2 deve-se levar em consideração que a maioria desses indivíduos relata uma ingestão moderada de carboidratos (44-46% do total de calorias) e os esforços para modificar os padrões alimentares habituais são frequentemente mal sucedidos em longo prazo, pois as pessoas geralmente voltam à sua distribuição habitual de macronutrientes.
  • A abordagem recomendada é individualizar os planos de refeição para atender às metas calóricas, com uma distribuição de macronutrientes mais consistente com a ingestão usual do indivíduo, aumentando a probabilidade de manutenção em longo prazo.
  • Crianças e adultos com diabetes devem ser encorajados a minimizar a ingestão de carboidratos refinados. O consumo de bebidas adoçadas com açúcar (incluindo sucos de frutas) e produtos processados ​​“com baixo teor de gordura” ou “sem gordura” com alta quantidade de grãos refinados e açúcares adicionados deve ser fortemente desencorajado.
  • Preferência deve ser dada a carboidratos oriundos de vegetais, legumes, frutas, leite, iogurte e grãos integrais.
  • A gestão e redução de peso é importante para pessoas com diabetes tipo 1, diabetes tipo 2 ou pré-diabetes. Programas de intervenção de estilo de vida devem ser intensivos e com acompanhamento frequente para conseguir reduções significativas no excesso de peso corporal e melhorar indicadores clínicos.

Cada vez mais se fortalece o conceito de que tão importante quanto a quantidade de carboidrato na dieta é a qualidade do carboidrato consumido.

Referências:

  • Low-carbohydrate diets in type 2 diabetes. Thelancet diabetes-endocrinology. Maio/2019.
  • Standards of Medical Care in Diabetes 2019 – Lifestyle Management.
     

Artigo publicado no Portal PEBMED em 03 de Junho de 2019

Autora: Daniele C. Tokars Zaninelli, endocrinologista em Curitiba.