insuficiência cardíaca

Com o envelhecimento progressivo e a crescente incidência de obesidade na população, a prevalência de diabetes tipo 2 (DM2) tem aumentado rapidamente, se tornando uma das principais causas de morte e incapacidade em todo o mundo. Está bem estabelecido que a doença cardiovascular aterosclerótica e a insuficiência renal são responsáveis ​​por grande parte das mortes em pacientes com DM2.

Durante a última década o tratamento do DM2 vem passando por importantes transformações. Cada vez mais o foco do tratamento é direcionado à prevenção de complicações. É essencial que, no tratamento do paciente com diabetes, sejam levadas em consideração estratégias para a prevenção de problemas cardiovasculares (incluindo insuficiência cardíaca [IC] e doença renal), que vão além do controle glicêmico.

É importante conhecer a influência do DM como comorbidade na IC, e os efeitos benéficos ou prejudiciais de medicamentos anti-hiperglicêmicos nos desfechos da IC.

Relação Diabetes e Insuficiência Cardíaca

Vários mecanismos fisiopatológicos podem explicar a relação entre DM2 e IC:

  • O DM2 está associado à aterogênese acelerada, que pode culminar com infarto e comprometimento funcional do miocárdio.
  • A hipertensão arterial, que é comum no DM2, e a consequente hipertrofia e aumento da rigidez da parede miocárdica contribuem para o desenvolvimento de IC.
  • O DM2 pode estar associado a uma forma específica de cardiomiopatia, cursando inicialmente com IC com fração de ejeção preservada (ICFEP), progredindo para IC com fração de ejeção reduzida (ICFER). O DM confere efeito prognóstico negativo na ICFER.
  • Distúrbios da microcirculação coronariana também podem contribuir para o desenvolvimento da ICFEP.

Insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada e diabetes

Na ICFEP a fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) é normal ou quase normal. A ICFEP é atualmente a forma mais comum de IC, afetando mais de 3 milhões de adultos só nos Estados Unidos. É importante ressaltar que cerca de 45% dos pacientes com ICFEP têm DM.

Uma revisão publicada recentemente sugere que o DM está associado ao aumento da morbidade e mortalidade a longo prazo na ICFEP. Os autores discutem os mecanismos patológicos comuns à ICFEP e DM, incluindo retenção de sódio, desarranjos metabólicos, e o comprometimento da função do músculo esquelético, assim como potenciais alvos terapêuticos.

Diferente do que se poderia esperar, não há diferença na mortalidade em um ano entre ICFEP e ICFER. Embora a taxa de mortalidade para ICFER tenha diminuído nos últimos 15 anos, é semelhante à encontrada na ICFEP, provavelmente pela escassez de tratamentos baseados em evidências para ICFEP. Isso deixa evidente a necessidade urgente de desenvolver novas abordagens de tratamento para pacientes com ICFEP.

Já a mortalidade por causas não cardiovasculares é maior em ICFEP do que na ICFER, provavelmente devido ao aumento da carga de comorbidades encontrada na primeira.

 

Efeitos do DM na ICFEP:
AumentaDiminui
• Índice de massa corporal / peso   • Estado funcional
• Pressão arterial sistólica     • Qualidade de vida
• Fibrose   • Capacidade de exercício
• Congestão     • Probabilidade de alta hospitalar
• Disfunção endotelial 
• Sintomas de sobrecarga de volume 
• Massa do ventrículo esquerdo (VE) 
• Pressão de enchimento do VE 
• Morbidade 
• Taxas de doença cardíaca isquêmica 
• Taxas de morte cardiovascular 
• Admissões / readmissões por IC 
• Internação hospitalar 
• Risco de mortalidade total 

 

Esses processos contribuem para o aumento da morbidade e mortalidade observados em doentes com ICFEP e DM comparados com os sem DM. O DM desencadeia inflamação sistêmica através de múltiplas vias metabólicas, incluindo a oxidação de ácidos graxos, disponibilidade de óxido nítrico e produtos finais de glicação avançada.

A abordagem dessas desordens através do uso de novos agentes anti-hiperglicêmicos pode retardar a remodelação no longo prazo e reduzir a mortalidade na população. Após muitos achados neutros em estudos de desfechos cardiovasculares em pacientes com DM2, os resultados dos ensaios com inibidores SGLT-2 (SGLT2i) mostraram que os medicamentos desta classe podem retardar o desenvolvimento e melhorar a evolução da IC.

Potenciais mecanismos fisiopatológicos                              ICFEP e DMAlvos terapêuticos
– Alteração da distribuição de sódio   Os inibidores SGLT-2 (Cotransportador sódio-glicose tipo 2) podem:
– ↑ sobrecarga de volume – restaurar a entrega de sódio ao túbulo distal
 – promover diurese e natriurese
 – reduzir a sobrecarga de volume
Liberação de citocinas pró-inflamatórias   Drogas anti-hiperglicêmicas:
 – redução dos níveis glicêmicos
 – efeito anti-inflamatório
 – ↓remodelação
 Diminuição da adiposidade através de restrição calórica:
 – melhora a capacidade de resposta à insulina – reduz a inflamação
↓ função muscular esquelética Esses mecanismos estão exacerbados em pacientes com aumento da adiposidade. Um programa de exercícios físicos pode ajudar a reduzir a adiposidade e regenerar o músculo esquelético.
Prejuízo da relação entrega oxigênio periférico/utilização do oxigênio 
Incompetência Cronotrópica 
↓ Densidade capilar 

 

A prescrição de um SGLT2i parece estar bem recomendada como opção inicial de tratamento, especialmente em pacientes com DM2 e doença cardiovascular aterosclerótica, IC e/ou doença renal e/ou múltiplos fatores de risco.
Quando os SGLT2i não forem bem tolerados, estiverem contraindicados ou não for atingida a meta de HbA1c, a adição ou substituição por um análogo do GLP1 com benefício CV comprovado deve ser considerada.

As tiazolidinedionas aumentam a retenção de líquidos e a descompensação cardíaca e não devem ser utilizadas em pacientes com IC. Deve-se ter cuidado ao usar certos inibidores da DPP-4.

Um programa de exercícios pode ajudar a corrigir os distúrbios na utilização do oxigênio no músculo esquelético, aumentar a tolerância ao exercício e melhorar a qualidade de vida.

A tabela abaixo traz um resumo dos fatores que devem ser considerados ao se prescrever um SGLT2i:

 

Efeitos desfavoráveisEfeitos favoráveis
Infecções genitaisPrevenção de IC
Cetoacidose diabéticaPreservação da função renal
AmputaçõesRedução de eventos cardiovasculares maiores
FraturasRedução na pressão arterial
 Perda de peso
 Controle glicêmico

 

Por fim, é necessário um esforço coordenado entre uma equipe multidisciplinar para abordar as múltiplas comorbidades da ICFEP em pacientes com DM, a fim de diminuir a mortalidade e as taxas de readmissão hospitalar.

Mais pesquisas são necessárias para avaliar os resultados no longo prazo e os efeitos do tratamento das novas terapias de IC e DM em pacientes com ICFEP e DM.

 

Referências:

  • Heart Failure With Preserved Ejection Fraction and Diabetes. Journal of the American College of Cardiology. State-of-the-Art Review. Kelly McHugh, BA et al. Fev/2019.
  • Treatment of Heart Failure with Sodium-Glucose Cotransporter 2 Inhibitors and Other Anti-diabetic Drugs. Thomas A Zelniker and Eugene Braunwald. Cardiac Failure Review.

 

Artigo publicado no Portal PEBMED em 28 de fevereiro de 2019

 

Autora: Daniele C. Tokars Zaninelli, endocrinologista em Curitiba.