Nesse artigo serão apresentados alguns tópicos de sessão “Obesidade – descobertas, desenvolvimentos e novos rumos”, recentemente apresentada no congresso da American Diabetes Association (ADA 2021).
A obesidade
É uma doença heterogênea, com forte base biológica e importante influência genética. Um dos fatores que torna o manejo difícil é a falta de ferramentas que nos ajudem a prever a resposta clínica de cada paciente a diferentes intervenções. A análise genética poderia ajudar? E a dosagem de hormônios relacionados ao controle do apetite? A composição da dieta influencia os resultados clínicos?
E ainda: um dos motivos para o ganho de peso na pandemia foi o abandono do acompanhamento com profissionais de saúde, nutricionistas e educadores físicos. Com isso muita gente recorreu a programas de orientação on-line. Mas será que essa pode ser uma opção válida em termos de desfechos clínicos?
Esses foram alguns dos temas discutidos nessa sessão do ADA. Veja abaixo um resumo sobre as pesquisas que tentaram responder a essas perguntas.
1. Maior pontuação de risco genético prevê menor alteração na circunferência da cintura ao longo de um ano em cinco estudos clínicos de intervenção no estilo de vida.
A Dra Jeanne McCaffery – da Universidade de Connecticut – abordou o tema. A pesquisa contou com a contribuição de sete estudos clínicos de intervenção: Look AHEAD, Programa de Prevenção de Diabetes (DPP), Estudo de Prevenção de Diabetes, DIETFITS e PrediMed Plus, – que contribuíram com dados de um ano – e NUGENOB e DiOGenes – que contribuíram com dados de oito a dez semanas.
A pesquisadora introduziu a discussão relatando que estudos de associação ampla do genoma (GWAS) identificaram loci genético associado a circunferência de cintura (CC) e relação cintura-quadril (RCQ) ajustados para índice de massa corporal (IMC).
Em análises de randomização mendeliana, marcadores genéticos relacionados a índices (CC e RCQ) mais altos foram associados com diabetes tipo 2, doença cardiovascular e certos tipos de câncer supondo potencial relação causal entre eles.
É bem estabelecido que intervenções de estilo de vida (IEV) envolvendo restrição calórica e atividade física frequentemente promovem perda de peso reduzem CC e RCQ comparado ao controle.
No DPP a redução da CC mediou 75% do impacto da IEV na incidência de diabetes nos anos 1 ao 5. No Look AHEAD, redução na CC foi mais fortemente relacionada a morbidade cardiovascular e mortalidade que mudança no peso.
A proposta desse estudo foi avaliar se escores poligênicos (EP), compreendendo 59 polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) associados com CC ou RCQ ajustados para IMC em GWAS prévios, predizem a magnitude da mudança de CC e RCQ em dois momentos da IEV: 8-10 semanas e 1 ano.
Trazendo os resultados de forma simplificada, pode-se dizer que quanto maior a presença de alelos de risco no escore poligênico, maior a CC em um ano. Os resultados sugerem que EP são responsáveis por até 0,80cm de diferença nas medidas em participantes brancos, e talvez até 3cm em mulheres afro-americanas.
Portanto, espera-se menor resposta à intervenção de estilo de vida e menor benefício clínico em EP mais alto. Os efeitos da genética parecem relativamente pequenos comparados com os benefícios das intervenções de estilo de vida para a redução da adiposidade central. Esses resultados podem ajudar a definir as vias moleculares pelas quais a intervenção no estilo de vida afeta a adiposidade central.
2. Impacto da dieta ovo-lacto-vegetariana e nórdica no metabolismo da glicose: um estudo de intervenção humana. Por Hanna Huber da Universidade de Bonn.
Estudos epidemiológicos recentes indicam que a chamada dieta ‘Nórdica’ (rica em frutas vermelhas, peixes e nozes) e a dieta vegetariana melhoram o metabolismo da glicose, reduzindo o risco de desenvolvimento de diabetes em comparação com a dieta ‘Ocidental’. Estudos controlados de intervenção de longo prazo para investigar essa relação são difíceis de conduzir. Estudos de intervenção de curto e médio prazo poderiam evidenciar efeitos e mecanismos subjacentes dos diferentes modelos dietéticos.
Foi então realizado um estudo que avaliou os efeitos da dieta nórdica ou vegetariana no metabolismo da glicose em indivíduos com síndrome metabólica comparando-se com a dieta Ocidental.
Cento e vinte adultos com excesso de peso com pelo menos um traço de síndrome metabólica foram randomizados em três grupos, aderindo à dieta nórdica [ND], dieta ovo-lacto-vegetariana [VD] ou dieta de controle habitual [HD] por seis semanas, com base em uma lista de receitas, que foi adaptada ao gasto energético individual.
Como esperado, não foram detectadas alterações no peso e na composição corporal dentro dos grupos. A glicose em jejum e os níveis de insulina, HbA1c e o índice HOMA não mudaram após seis semanas em comparação com o valor basal. A sensibilidade à insulina e função das células ß não apresentaram variações intergrupos.
Conclusão: este estudo de intervenção isoenergética de médio prazo não confirmou os resultados anteriores. As melhorias na cinética da glicose, conforme observado em estudos epidemiológicos, possivelmente se devem à perda de peso corporal (nutrição hipoenergética) independente da composição da dieta.
3. A intervenção multidisciplinar virtual no estilo de vida é tão eficaz quanto o programa físico para pacientes com diabetes e obesidade durante a pandemia de Covid-19.
Por Marwa Al-Badri, do Joslin Diabetes Center.
A intervenção intensiva no estilo de vida (ILI) é essencial para o controle do diabetes. O programa Weight Achievement and Intensive Treatment (Why WAIT) é um programa de controle de peso multidisciplinar de 12 semanas que foi implementado na prática clínica do mundo real e mostrou manutenção de longo prazo de redução de peso por cinco anos. Durante a pandemia de Covid-19, o programa se tornou virtual usando telemedicina e aplicativos móveis (Healthimation and Good Measures ™).
O programa multidisciplinar contou com cinco principais componentes, que estão ilustrados na imagem acima.
Avaliou-se os resultados do programa virtual (VP) em comparação com o programa físico presencial (PP). Dezesseis indivíduos foram inscritos no VP e foram comparados com 22 indivíduos que completaram os últimos dois PPs.
A tabela abaixo, que teve divulgação permitida pela apresentadora, mostra os dados dos fatores de risco cardiovascular comparando os grupos analisados após 12 semanas de intervenção.
Em conclusão, ILI multidisciplinar virtual é tão eficaz quanto o programa físico presencial na melhora do peso corporal, A1C, pressão arterial, perfil lipídico e redução do número de medicamentos anti-hiperglicêmicos.
Esses resultados sugerem que dimensionar o programa Why WAIT em um formato virtual para uma população maior de pacientes com diabetes e obesidade pode ser tão bem-sucedido quanto o programa presencial, de custo mais alto.
4. Alterações da grelina plasmática e perda de peso bem-sucedida em pacientes com obesidade: Estudo POUNDS Lost.
Por Yoriko Heianza da Escola de Saúde Pública e Medicina Tropical da Universidade de Tulane.
A grelina é um hormônio derivado do estômago, com efeitos na regulação do apetite (orexígeno), homeostase energética e adiposidade. Os níveis de grelina estão baixos na obesidade.
Os autores investigaram a relação das alterações plasmáticas da grelina após dietas para perda de peso com melhorias na adiposidade geral, redistribuição de gordura corporal e metabolismo energético entre adultos com sobrepeso e obesidade que participaram de uma intervenção de dois anos (Estudo POUNDS Lost) consumindo dietas hipocalóricas com composições variadas de nutrientes. Também foi investigado se as mudanças de curto prazo na grelina em resposta às dietas para perda de peso foram preditivas de perda de peso bem-sucedida em longo prazo.
O estudo incluiu 217 adultos. Os níveis plasmáticos de grelina (Elisa) foram medidos no início do estudo e 6 meses após a intervenção. Avaliou-se associações das alterações de seis meses nos níveis de grelina plasmática a partir da linha de base com alterações no peso, circunferência da cintura (CC), composição da gordura corporal avaliada por absorciometria de raios-X de dupla energia (DEXA), distribuição de gordura avaliada por tomografias, e gasto energético de repouso (GER).
No início do estudo, os níveis mais elevados de grelina foram significativamente associados à menor adiposidade (peso, CC e gordura corporal) e GER. Os autores descobiram que os níveis plasmáticos de grelina tenderam a aumentar seis meses após a intervenção entre o total de participantes. Aumentos maiores na grelina plasmática foram associados a diminuições maiores no peso, CC, % de gordura do tronco e corporal total, tecido adiposo total, bem como REE. Além disso, maiores aumentos de 6 meses nos níveis de grelina foram significativamente associados com a obtenção de perda de peso bem-sucedida (-5% ou mais redução de peso) em um ano.
Não houve efeitos significativos da composição de macronutientes quanto à variação da grelina.
O estudo sugere que maiores aumentos de grelina induzidos por dieta para perda de peso estão associados a melhorias na adiposidade e na composição da gordura corporal. As alterações plasmáticas da grelina em resposta às dietas para perda de peso podem ser preditivas do sucesso da perda de peso em longo prazo entre pacientes com sobrepeso e obesidade.
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Artigo publicado no Portal PEBMED em 01 Julho de 2021.
Autora: Daniele C. Tokars Zaninelli, endocrinologista em Curitiba.