A American Diabetes Association (ADA) e a European Foundation for the Study of Diabetes (EASD) atualizaram suas recomendações de 2018 sobre o gerenciamento da hiperglicemia no diabetes tipo 2 (DM2) com base em importantes achados de estudos publicados em 2019.

Esta breve atualização fornece um resumo das implicações dessas evidências nas novas recomendações, com foco particular em dados de grandes ensaios sobre resultados cardiovasculares (CV), e deve ser considerada em conjunto com o relatório do consenso de 2018.

Hiperglicemia no diabetes tipo 2

Anteriormente já era recomendado que, no cenário do DM 2, a doença cardiovascular (DCV) estabelecida fosse uma indicação para o tratamento com um agonista do receptor GLP-1 ou um inibidor de SGLT2. Agora sugere-se ainda o seguinte:

A decisão de tratar indivíduos de alto risco com um agonista do receptor do peptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP-1) ou um inibidor do cotransportador de sódio-glicose 2 (SGLT2) para reduzir os principais eventos cardiovasculares adversos (MACE), hospitalização por insuficiência cardíaca (hIC), morte CV ou progressão da doença renal crônica (DRC) deve ser considerada independentemente da HbA1c basal ou da meta individualizada da HbA1c.

Recomendações para agonistas do receptor GLP-1:

  • Para pacientes com DM2 e DCV aterosclerótica estabelecida (como aqueles com infarto do miocárdio prévio, acidente vascular cerebral isquêmico, angina instável com alterações no ECG, isquemia miocárdica na imagem ou no teste de estresse, ou revascularização das artérias coronárias, carotídeas ou periféricas), onde o MACE é a ameaça mais grave, o nível de evidência para o benefício do MACE é maior para os agonistas do receptor GLP-1;
  • Para reduzir o risco de MACE, agonistas do receptor de GLP-1 também podem ser considerados em pacientes com DM2 sem DCV estabelecida, na presença de indicadores específicos de alto risco, especificamente: pacientes com idade 55 anos ou mais com estenose > 50% de coronárias, carótidas, ou artérias dos membros inferiores; hipertrofia ventricular esquerda; estimativa da taxa de filtração glomerular (TFGe) <60 mL min – 1 [1,73 m] –2 ou albuminúria.

Até a presente data, o nível de evidência para apoiar o uso de agonistas do receptor GLP-1 para prevenção primária são mais fortes para a dulaglutida.

Recomendações para inibidores de SGLT2:

  • Em pacientes com ou sem DCV aterosclerótica estabelecida, mas com insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFEr) e FE < 45%, ou DRC (TFGe de 30 a ≤60 mL min – 1 [1,73 m] –2 ou razão albumina/creatinina urinária (UACR) > 30 mg/g, particularmente >300 mg/g), o nível de evidência de benefício é maior para os inibidores de SGLT2.
  • Os inibidores da SGLT2 são recomendados em pacientes com diabetes tipo 2 e insuficiência cardíaca (IC), principalmente naqueles com ICFEr, para reduzir hIC , MACE e morte CV.
  • Os inibidores da SGLT2 são recomendados para evitar a progressão da DRC, hIC, MACE e morte CV em pacientes com diabetes tipo 2 com DRC.

Pacientes com úlceras nos pés ou com alto risco de amputação deveriam ser tratados com inibidores da SGLT2 apenas após cuidadosa tomada de decisão compartilhada de riscos e benefícios com educação abrangente sobre cuidados com os pés e prevenção de amputações.

As novas recomendações são baseadas principalmente na análise dos seguintes estudos:

  • REWIND: The Researching Cardiovascular Events with a Weekly Incretin in Diabetes;
  • DECLARE–TIMI 58: The Dapagliflozin Effect on Cardiovascular Events–Thrombolysis in Myocardial Infarction 58;
  • CANVAS: The Canagliflozin Cardiovascular Assessment Study;
  • DAPAHF: The Dapagliflozin and Prevention of Adverse Outcomes in Heart Failure;
  • CREDENCE: The Canagliflozin and Renal Events in Diabetes with Established Nephropathy Clinical Evaluation.

Informações mais detalhadas podem ser acessadas através do link.

Para pacientes com DM2 com baixo risco cardiovascular e sem DRC, não houve estudos para examinar o benefício dos agonistas do receptor GLP-1 ou dos inibidores de SGLT2 no sistema cardiovascular ou renal.

Mantém-se a recomendação de que a substituição de um medicamento com benefício conhecido na CVD, DRC e hHF para outro sem benefício conhecido em pacientes de alto risco é razoável quando o paciente está dentro da meta glicêmica individualizada.

Além do risco CV outros fatores devem ser observados na escolha terapêutica, como o efeito das drogas no peso do paciente, além do risco de hipoglicemia. Além disso, deve-se se dar atenção às preferências e à condição sócio econômica de cada paciente, visto que para muitos o tratamento com um agonista do receptor GLP-1 ou um inibidor de SGLT2 pode envolver um custo considerável. Não só o desempenho da droga como o bem-estar geral precisam ser levados em consideração na tomada de decisões.

Existem ainda várias questões importantes sobre a indicação de novos medicamentos no tratamento do DM2. Uma delas é se o uso combinado de agonistas do receptor GLP-1 e inibidores de SGLT2 fornece benefício adicional para a prevenção de MACE, morte CV, hIC e progressão da DRC. Três estudos demonstraram a eficácia na redução da HbA1c e do peso com a combinação, mas nenhum abordou o impacto da combinação dos dois nos desfechos cardiorrenais.

Além disso, questiona-se se existem subgrupos de pacientes que se beneficiariam desproporcionalmente ou muito pouco com o tratamento com os novos medicamentos para diabetes. Evidências recentes de que os inibidores da SGLT2 podem ser particularmente úteis na prevenção de efeitos adversos em pacientes com diabetes com ICFEr aumentam a possibilidade de uso mais direcionado desses agentes.

Finalmente, o mecanismo de ação pelo qual os agonistas do receptor de GLP-1 e inibidores SGLT2 conferem benefício cardiorrenal no DM ainda não está totalmente esclarecido. Pesquisas nesta área serão muito úteis para otimizar o potencial agora claro das drogas antidiabéticas para mitigar as complicações cardiovasculares e renais da doença.

Referência bibliográfica:

2019 Update to: Management of Hyperglycemia in Type 2 Diabetes, 2018. A Consensus Report by the American Diabetes Association (ADA) and the European Association for the Study of Diabetes (EASD). Buse J B et al. Diabetes Care. Publicado online em 19 de dezembro de 2019.
 

Artigo publicado no Portal PEBMED em 13 Janeiro de 2020

 

Autora: Daniele C. Tokars Zaninelli, endocrinologista em Curitiba.