Praticamente todos os órgãos e sistemas biológicos podem sofrer com a infecção pelo SARS-Cov-2. O vírus pode atingir diretamente tecidos específicos ou causar efeitos indiretos, e sistema endócrino não é uma exceção.
No ENDO 2021, congresso promovido pela Endocrine Society, a Dra Mônica Marazuela, em sua apresentação sobre os aspectos endócrinos e metabólicos da pandemia de Covid-19, fez um importante alerta quanto ao risco de desenvolvimento de insuficiência adrenal em pacientes infectados previamente hígidos. Ou seja, é importante ficar atento aos sinais desta condição mesmo em pacientes sem história prévia de insuficiência adrenal.
Veja abaixo alguns dos possíveis mecanismos
Insuficiência adrenal por Covid-19
Possíveis mecanismos de dano hipofisário pela Covid-19:
- Ação direta do vírus no eixo hipotálamo-hipofisário;
- Hipofisite imunomediada;
- Hipopituitarismo funcional mediado por aumento das citocinas.
As implicações clínicas são que os pacientes com Covid-19 podem desenvolver hipocortisolismo central, que pode ser transitório ou persistir por um prazo mais longo (assim como descrito para SARS-CoV-1).
Possíveis mecanismos de dano adrenal pela Covid-19:
- Efeito citopático direto do vírus;
- Algumas sequências de aminoácidos do SARS-CoV-1 mimetizam o ACTH, e anticorpos contra SARS poderiam destruir o ACTH circulante;
- Covid-19 pode evoluir com doença crítica relacionada à insuficiência de corticosteroides.
Usando essas estratégias o SARS-CoV ameaça a resposta ao estresse do hospedeiro. A mensagem prática é que os médicos devem estar vigilantes para a possibilidade de uma deficiência relativa de cortisol subjacente em pacientes com Covid-19.
Além dos possíveis danos causados pela infecção é importante lembrar que é cada vez mais comum o uso corticosteroides no tratamento da Covid-19, o que pode deflagrar um quadro de insuficiência adrenal no momento de sua retirada. Ainda não se conhece a incidência do problema.
Acompanhamento
E surge a pergunta: – A predisposição desses pacientes para insuficiência adrenal deve ser levada em consideração durante o acompanhamento no período pós-Covid?
Segundo a palestrante, esses pacientes merecem cuidados especiais num prazo mais prolongado, mesmo após a resolução da infecção pelo novo coronavírus. Ela cita que, segundo dados de literatura, geralmente são necessárias três semanas para que o eixo hipotálamo hipófise adrenal seja suprimido pelo uso de corticosteroides, mas em indivíduos predispostos isso poderia acontecer num período tão curto quanto cinco dias, mesmo em uso de baixas doses.
Sintomas inespecíficos podem dificultar o diagnóstico de hipoadrenalismo. A Dra. Marazuela sugere que esses pacientes recebam acompanhamento clínico considerando o risco potencial de insuficiência adrenal, tanto durante como após o período mais crítico da infecção.
As doses de corticosteroides devem ser reduzidas gradualmente. Ainda não há diretrizes específicas para esta situação, então é preciso lançar mão da experiência clínica. A hidrocortisona seria a primeira opção de tratamento, por permitir a recuperação mais rápida do eixo. A insuficiência adrenal na Covid-19 pode ser transitória, mas merece acompanhamento até que o quadro seja totalmente recuperado.
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Referências bibliográficas:
Marazuela, M., Giustina, A. & Puig-Domingo, M. Endocrine and metabolic aspects of the COVID-19 pandemic. Rev Endocr Metab Disord 21, 495–507 (2020). https://doi.org/10.1007/s11154-020-09569-2.
Pal, R., Banerjee, M. COVID-19 and the endocrine system: exploring the unexplored. J Endocrinol Invest 43, 1027–1031 (2020). https://doi.org/10.1007/s40618-020-01276-8.
ENDO 2021 – Endocrine and Metabolic Aspects of COVID-19. Dra M. Marazuela.
Artigo publicado no Portal PEBMED em 29 Março de 2021.
Autora: Daniele C. Tokars Zaninelli, endocrinologista em Curitiba.