A prevalência da obesidade vem aumentando nas últimas décadas em todo o mundo, atingindo níveis de pandemia. Hoje, 4 de março, é considerado o Dia Mundial da Obesidade. Por isso, preparamos uma série de textos sobre diferentes abordagens.

A obesidade é uma doença crônica, progressiva e recidivante, que representa um grande desafio para a saúde pública, já que pode causar, agravar ou acelerar o desenvolvimento de inúmeras doenças, afetando qualquer órgão ou sistema, envolvendo todas as especialidades médicas.

A obesidade é uma doença heterogênea

Para que a abordagem terapêutica seja eficaz e segura, é importante reconhecer que cada paciente tem uma constelação única de causas para o surgimento de sua doença, e não uma única causa. Além disso, as respostas individuais às medidas de prevenção e às diversas formas de tratamento são muito variáveis.

É preciso aplicar conhecimentos de fisiopatologia à prática clínica

Tratar e prevenir a obesidade de forma eficaz requer uma compreensão atualizada de sua fisiopatologia. Dentro do velho paradigma admitia-se que o estilo de vida do paciente era uma escolha pessoal, e que os pacientes simplesmente precisavam comer menos e se exercitar mais, como se o controle do armazenamento e distribuição da gordura corporal fosse um processo totalmente voluntário.

Dentro do novo paradigma, sabemos que a obesidade resulta de uma interação complexa entre fatores genéticos e uma gama de outros (ambientais, estresse, fatores emocionais, medicamentos prescritos para outras condições e eventos da vida, como gravidez e menopausa) que promovem o ganho de peso e tornam a perda difícil, por influenciar nas escolhas (comportamento alimentar e de atividade física, por exemplo) e desequilibrar os mecanismos de controle do balanço energético.

Além disso, adaptações biológicas à restrição calórica costumam levar ao reganho de peso, o que pode ocorrer após a interrupção de qualquer modalidade terapêutica (efeito sanfona), o que justifica a manutenção do acompanhamento em longo prazo.

Como escolher o melhor tratamento?

A modalidade terapêutica deve ser escolhida com base no índice de massa corporal (IMC), associado à avaliação do risco individual, conforme indicado no infográfico abaixo.

 

Independentemente da modalidade escolhida, o tratamento da obesidade deve seguir os mesmos princípios do manejo de qualquer doença crônica, com educação e monitoramento dos pacientes por meio de visitas regulares ao médico e à equipe multidisciplinar (nutricionista, preparador físico, psicólogo), prescrição dos tratamentos disponíveis, de acordo com indicação personalizada, e incentivo à adesão ao tratamento em longo prazo.

Mudança de estilo de vida

Além de contribuir com o aumento do gasto energético diário, a atividade física tem importantes efeitos metabólicos e anti-inflamatórios, justificando sua prescrição sempre que possível.

Com relação à alimentação, o fator mais importante para a perda de peso é a redução do consumo calórico diário. Também deve-se evitar o consumo de alimentos ultra processados. Outras inúmeras questões relativas ao “o que, como, quando e onde” comer também podem fazer a diferença, mas merecem uma discussão à parte.

Questões relativas à qualidade do sono, nível de estresse e uso de medicamentos que induzem ganho de peso devem ser sempre abordadas.

Tratamento medicamentoso – Quando prescrever?

Recomendações das Diretrizes Brasileiras de Obesidade

Medicamentos podem ser indicados para o tratamento da obesidade ou sobrepeso, quando houver falha do tratamento não farmacológico em pacientes com IMC igual ou superior a 30 kg/m², ou com IMC igual ou superior a 25 a 27 kg/m² (dependendo do medicamento), associado a comorbidades.

Populações asiáticas apresentam obesidade e, portanto, devem ser tratadas farmacologicamente com IMC maior ou igual a 27,5 kg/m² ou com IMC maior ou igual a 23-27,5 kg/m², na presença de comorbidades.

Indivíduos com IMC normal e aumento da circunferência abdominal são considerados obesos viscerais e devem ser tratados na presença de comorbidades (associadas à obesidade e síndrome metabólica).

Medicamentos aprovados para o tratamento da obesidade no Brasil

Abaixo estão listadas as medicações aprovadas para o tratamento do sobrepeso e da obesidade no Brasil (on-label)

MedicamentoMecanismo de açãoDose Posologia

Contra indicações
SibutraminaInibe a recaptação de serotonina e noreadrenalina nas terminações nervosas do sistema nervoso central (SNC), com efeitos anorexígenos e sacietógenos.
10 ou 15mg
via oral pela manhã
– Diabetes associado a um fator de risco cardiovascular
– Doenças cerebrovasculares e cardiovasculares
Orlistate
Inibidor de lipases gastrintestinais. 1/3 dos triglicérides ingeridos permanecem não digeridos e são eliminados nas fezes.
10 ou 15mg
via oral pela manhã
– Diabetes associado a um fator de risco cardiovascular
– Doenças cerebrovasculares e cardiovasculares
Orlistate 120mg durante ou até 1 hora após café, almoço e jantarSíndrome de má absorção; colestase; anorexia e bulimia
LiraglutidaAnálogo do GLP-1. Ação hipotalâmica em neurônios envolvidos no balanço energético, em centros ligados ao prazer e recompensa.Titulação semanal (0,6 – 1,2 – 1,8 – 2,4 e 3mg contínuo)
Uso SC 1x/dia
– História pessoal ou familiar de carcinoma medular da tireoide (CMT)
– Neoplasia endócrina múltiplo tipo 2 (MEN 2)

Quanto peso é preciso perder?

A maioria das diretrizes clínicas recomenda uma perda inicial de 5 a 8% do peso corporal total, em vez de atingir o peso normal, visto que mesmo perdas discretas podem ser suficientes para prevenir ou melhorar o controle clínico das disfunções associadas ao sobrepeso e à obesidade.

Fase de manutenção

O período que se segue à perda de peso – a fase de manutenção – exige os mesmos esforços e cuidados da fase inicial do tratamento, incluindo cuidados alimentares, prática de atividade física, e, frequentemente, a continuidade do uso de medicamentos. Então, sempre que houver uma boa resposta ao tratamento, sua manutenção deve ser considerada por longos períodos, com supervisão médica regular.

Cuidar de todas as formas é avaliar e tratar a obesidade como uma doença que apresenta várias nuances, seja com relação às causas, à magnitude e distribuição do excesso de gordura corporal, à forma como afeta a saúde e a qualidade de vida de cada paciente, e às variações na resposta às diferentes modalidades terapêuticas.

Por fim, ser obeso não é uma opção e, sim, o resultado da interação entre uma série de fatores. Portanto, o paciente merece ser tratado com seriedade e respeito.

 

Referências bibliográficas:

  • Diretrizes para o Tratamento Farmacológico da Obesidade e do Sobrepeso. Posicionamento Oficial da ABESO/ SBEM.
  • Blüher, M. (2019). Obesity: global epidemiology and pathogenesis. Nature Reviews Endocrinology.
  • Pasquali et al. European Society of Endocrinology Clinical Practice Guideline: Endocrine work-up in obesity. Eur J Endocrinol. 2020 Jan;182(1)
  • Obesity Science & Practice. Volume 2, Issue 2, pages 104–114, June 2016
     

Artigo publicado no Portal PEBMED em 03 Dezembro de 2021.

 

Autora: Daniele C. Tokars Zaninelli, endocrinologista em Curitiba.